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5. O Dilúvio


Ora, a terra estava corrompida aos olhos de Deus e cheia de violência” (Gn 6:11).

Embora vimos que desde Adão e Eva houve pessoas que buscaram viver de modo agradável a Deus (como Abel e Enoque), a humanidade posteriormente se tornou predominantemente maligna: praticamente todas as pessoas viraram as costas para o Criador, praticando maldade de modo contínuo. Então Deus, que havia tido misericórdia dos homens até aquele momento, não retribuindo todo o mal que se fazia na terra, decidiu agir a fim de pôr um fim naquela situação. Porém, naquela geração que se perdeu, havia um homem que manteve firme sua fé no Criador:

A Noé, porém, o Senhor mostrou benevolência. Esta é a história da família de Noé: Noé era homem justo, íntegro entre o povo da sua época; ele andava com Deus (Gn 6:8-9).

Antes de falar sobre Noé, no episódio do Dilúvio existe uma expressão que causa sempre confusão ao ser lida: “Então o Senhor arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra; e isso cortou-lhe o coração” (Gn 6:6). A princípio, isso parece estranho: se Deus sabe todas as coisas e, quando criou o homem, a Escritura diz que Deus viu que tudo o que Ele criara era ‘muito bom’, como pode agora Ele ter se arrependido, como se não soubesse que aquela geração iria se corromper? Afinal, Deus sabe ou não sabe de tudo?


A resposta não é tão complicada como pode parecer. A Bíblia não errou e Deus é onisciente. Simplesmente, o fato é que algumas frases na Escrituras, a primeira vista, são de difícil interpretação para nós. Dentre as mais comuns, temos: Deus se arrependeu, Deus se lembrou, Deus me ouviu/não me ouviu etc. Como entender isso? Nos casos citados aqui, a saída é bastante simples: estas expressões são utilizadas no Antigo Testamento para expressar determinadas ações do Criador através de expressões humanas – especialmente, expressões comumente utilizadas no período e no contexto cultural em que o texto foi escrito. Por meio da comparação com outros textos semelhantes, é possível compreender o que as pessoas queriam dizer com tais afirmações sobre Deus:


  1. Deus se arrependeu – esta expressão se refere a momentos em que Deus destrói ou desfaz algo que Ele anteriormente havia construído ou feito; não significa que Ele mudou de ideia, foi pego de surpresa pelos acontecimentos ou não pensou direito quando criou o que posteriormente iria destruir;

  2. Deus se lembrou – esta expressão aparece quando Deus faz algo agora baseado em uma promessa anterior, cumprindo o que prometeu; não significa que Ele havia esquecido da promessa, mas o verbo ‘lembrar’ significa que chegou o momento do prometido ser realizado;

  3. Deus ouviu/não ouviu – esta expressão aparece quando alguma oração ou petição é atendida ou não por Deus, não significando que alguma oração é ouvida ou não (no sentindo literal, ouvir o pedido, os sons, as palavras). Deste modo, dizer que Deus ouviu uma oração significa que Ele atendeu aquele pedido.


Voltando ao relato, o texto diz que toda aquela geração da humanidade, com exceção de Noé (e talvez sua mulher, filhos e noras), havia se afastado completamente do Criador. Por isso, a fim de acabar com aquela situação, Deus ‘se arrepende’ da humanidade (decide destruí-la), se entristecendo grandemente com o estado das coisas (isso cortou-lhe o coração – Gn 6:6). O plano de Deus foi então destruir a terra com um Dilúvio, salvando apenas Noé e sua família, juntamente com casais de animais para novamente repovoar a terra. Talvez esse seja o texto mais debatido e criticado pela ciência contemporânea, acusando-o de ser apenas um mito e não a descrição de um evento real. Não é objetivo aqui discutir isso do ponto de vista científico – existem muitos cientistas que pesquisam este assunto (caso se interesse, pesquise na internet por Criacionismo e/ou Design Inteligente para conhecer estes trabalhos).


Outro ponto polêmico do texto é como conciliar um Deus amoroso com esse ato radical. Neste caso, não há complexidade alguma na explicação, pois o próprio texto deixa claro o motivo de tal juízo divino: toda aquela geração havia se corrompido e se tornado extremamente maligna. Não sabemos dos detalhes, mas não é difícil perceber que, em alguns casos, medidas drásticas são necessárias a fim de que algo muito importante não se perca. Um médico pode decidir por amputar a perna de alguém a fim de salvar aquela vida. No caso em questão, a única saída para a humanidade sobreviver, era Deus amputar quase tudo, com exceção de uma família. Drástico, forte e triste (tanto que é dito que o Dilúvio 'cortou o coração de Deus'); porém, foi um ato necessário para a continuidade da justiça e da humanidade sobre a terra. A questão portanto não é entender o motivo, mas acreditar que a decisão tomada por Deus foi a melhor possível naquela situação: ou se confia (tem fé) no que Deus faz ou não se confia.


Após esse evento ocorrer e toda aquela geração da humanidade ter sido removida da terra, Deus apresenta um novo começo para o homem, estabelecendo uma aliança (pacto, acordo) entre Ele, os animais e os homens que viriam da descendência de Noé e seus filhos. O texto é grande, mas por sua importância, será colocado na íntegra aqui:


Deus abençoou Noé e seus filhos, dizendo-lhes: ‘Sejam férteis, multipliquem-se e encham a terra. Todos os animais da terra tremerão de medo diante de vocês: os animais selvagens, as aves do céu, as criaturas que se movem rente ao chão e os peixes do mar; eles estão entregues em suas mãos. Tudo o que vive e se move lhes servirá de alimento. Assim como lhes dei os vegetais, agora lhes dou todas as coisas. Mas não comam carne com sangue, que é vida’ (Gn 9:1-4).


Nesta primeira parte, Deus novamente abençoa os homens com fertilidade, reafirmando seu propósito original para a humanidade – multiplicar e encher a terra. Além disso, a partir daquele momento haveria uma relação diferente entre os homens e os animais (medo e luta), além de uma mudança na dieta humana, que passaria a incluir carne (repare que, na criação original, Deus deu apenas as plantas como alimento, tanto para o homem quanto para os animais – Gn 1:29-30). Juntamente com isso, o Criador estabeleceu uma regra para que os homens não comessem o sangue dos animais – uma lei alimentar universal, pois essas coisas foram ditas a Noé e sua descendência (ou seja, a toda humanidade).


A aliança ainda contém outros termos. Deus continua dizendo:


‘A todo que derramar sangue, tanto homem como animal, pedirei contas; a cada um pedirei contas da vida do seu próximo. Quem derramar sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; porque à imagem de Deus foi o homem criado. Mas vocês, sejam férteis e multipliquem-se; espalhem-se pela terra e proliferem nela’ (Gn 9:5-7).


Nesta parte, Deus estabelece uma outra lei, a fim de que os homens punissem os crimes de assassinato com a morte do assassino. O argumento de Deus para esta pena tão severa é que o homem foi criado à imagem de Deus e, por isso, não deveria ser morto por outro homem ou animal. Ao contrário do que alguns acreditam hoje, a vida humana é diferente e mais valiosa do que a vida das demais criaturas existentes.


Finalmente, esta aliança divina é concluída com a passagem seguinte:


Então disse Deus a Noé e a seus filhos, que estavam com ele: Vou estabelecer a minha aliança com vocês e com os seus futuros descendentes, e com todo ser vivo que está com vocês: as aves, os rebanhos domésticos e os animais selvagens, todos os que saíram da arca com vocês, (...): Nunca mais será ceifada nenhuma forma de vida pelas águas de um dilúvio; (...). E Deus prosseguiu: ‘Este é o sinal da aliança que estou fazendo entre mim e vocês e com todos os seres vivos que estão com vocês, para todas as gerações futuras: o meu arco que coloquei nas nuvens. Será o sinal da minha aliança com a terra. (...) Concluindo, disse Deus a Noé: ‘Esse é o sinal da aliança que estabeleci entre mim e toda forma de vida que há sobre a terra’ (Gn 9:8-17).


Após Deus acrescentar a carne dos animais (menos o sangue) à dieta humana e estabelecer a pena de morte para os crimes de assassinato, Ele concluiu fazendo uma aliança com os homens e os animais da terra prometendo não mais trazer um dilúvio que destruísse todos os homens e animais do planeta. Como prova disso, o Criador inseriu o fenômeno do arco-íris como sinal de sua promessa. A cada vez que um arco-íris surge no céu, deve-se trazer à memória tanto o fato de que a humanidade pode alcançar uma situação tão maligna que Deus pode tomar medidas drásticas para resolver a situação, assim como também deve-se lembrar da misericórdia de Deus que, após o Dilúvio, prometeu nunca mais trazer outra inundação daquelas proporções. Eis o verdadeiro significado do arco-íris: o juízo, a fidelidade e a misericórdia de Deus.


O evento do Dilúvio marcou a segunda grande transição da humanidade, desde a Criação: a primeira foi a Queda no Éden, onde o mal passou a fazer parte dos homens e da terra. Neste evento, temos agora uma segunda Queda, por assim dizer, na qual toda a humanidade se tornou extremamente maligna, com exceção da família de Noé.


Com a Aliança estabelecida por Deus após o Dilúvio (A Aliança Noética), vemos o Criador acrescentando aos princípios estabelecidos por Ele no Éden outras leis a fim de que a humanidade pudesse continuar sua jornada sobre o planeta: Deus reafirma seus mandamentos originais (multiplicar e encher a terra), acrescenta outros (insere a carne na dieta dos homens e animais, proíbe a ingestão de sangue, estabelece um embrião de sistema penal entre os homens) e promete não trazer outro Dilúvio universal sobre a terra.


Link para a história completa do Dilúvio aqui

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