3. A queda
Após os relatos da criação, apresentados nos dois primeiros capítulos do livro de Gênesis, segue-se outra história fundamental para a compreensão da realidade conforme apresentada pelas Escrituras: a rebelião dos primeiros homens ou, como tradicionalmente se diz, a Queda do Homem.
Antes de discorrer sobre a queda, é importante falar de um ponto fundamental para a compreensão do propósito original de Deus, conforme apresentado neste capítulo:
Ouvindo o homem e sua mulher os passos do Senhor Deus que andava pelo jardim quando soprava a brisa do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus entre as árvores do jardim (Gn 3:8).
Neste trecho é apresentada a reação do primeiro casal em relação a Deus após a queda, mas ao mesmo tempo, a passagem mostra algo que é central na estrutura original do Criador: antes da queda, Ele e os homens se relacionavam diretamente e sem a presença do medo, uma vez que não havia nada no ser humano que rompia este relacionamento. Este é o plano original de Deus.
Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, para os lados do leste; e ali colocou o homem que formara. O Senhor Deus fez nascer então do solo todo tipo de árvores agradáveis aos olhos e boas para alimento. E no meio do jardim estavam a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal (...) O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo. E o Senhor Deus ordenou ao homem: 'Coma livremente de qualquer árvore do jardim,mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá'. (Gênesis 2:8-9; 15-17).
Assim, percebe-se que a queda aconteceu dentro da situação perfeita criada por Deus. O relato da criação mostra que o planeta não surgiu totalmente coberto de árvores e cheio de animais e homens, mas que o Criador criou exemplares da fauna e da flora e os dotou com a capacidade de se multiplicar. Assim, sob o cuidado do homem, o planeta atingiria sua plenitude ao longo do tempo. No capítulo 2 de Gênesis é dito que Deus produziu uma área já madura, o Jardim do Éden (Éden significa ‘delícias, prazer, alegria’; jardim é a mesma palavra que traduzimos por paraíso, do grego), a fim de que o primeiro casal pudesse ali viver em contato com Deus e, a partir de tal jardim, iniciar sua jornada de cuidado do planeta, das plantas, dos animais e da multiplicação dos homens sobre a terra.
Além de colocar neste jardim árvores bonitas e frutos gostosos (Gn 2:9), o Criador colocou também duas árvores especiais no Éden: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Muitos debatem se tais árvores são reais ou apenas metáforas relacionadas ao relacionamento do homem com Deus. Não é objetivo deste artigo explorar este assunto; por isso, serão consideradas aqui as duas explicações de modo simultâneo, assumindo que tais árvores existiram de fato no Jardim do Éden e que, ao mesmo tempo, elas nos contam sobre os dois caminhos possíveis ao ser humano: o que leva a Deus e o que separa de Deus.
Junto com estas árvores o Criador deu ao primeiro casal uma simples lei: não coma da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, caso contrário morrerão. Interessante que se essa árvore foi a única proibida, as demais poderiam ser usufruídas – incluindo a Árvore da Vida. Deste modo, pode-se entender que Deus proibiu o homem de se alimentar da árvore que traria como consequência a morte (Gn 3:17) e permitiu que comessem da Árvore da Vida, que daria a vida eterna aos homens (Gn 3:22). Em outras palavras, aqui existe um princípio fundamental da Bíblia: o que Deus diz que não se deve fazer nos afasta Dele e leva à morte; o que Ele diz para se fazer nos aproxima Dele e dá vida eterna.
Portanto, entende-se que Deus criou todas as coisas boas na terra e nos céus, preparando um Jardim de Delícias (o paraíso do Éden, da alegria, do prazer) para colocar os primeiros homens a fim de que iniciassem sua jornada de relacionamento com Deus e com Sua criação através do trabalho e do estabelecimento da sociedade baseada no núcleo familiar. Porém, o Criador estabeleceu um princípio para a ação dos homens: a obediência a Deus, expressada no modo como Adão e Eva deveriam se alimentar dos frutos das árvores colocadas no Éden. O homem então foi criado para viver em submissão a Deus, confiando Nele para saber a diferença entre o certo e o errado, o bem e o mal, o caminho da vida e o da morte.
A obediência dos homens foi posta à prova quando Deus permitiu a atuação de um outro ser, cujas ações são mostradas em diversas partes das Escrituras: a serpente. Mas, antes de falar deste episódio, é importante comentar que existe também um debate acerca da natureza da serpente de Gn 3: trata-se do animal serpente (uma cobra) ou do anjo rebelde conhecido como Diabo, Satanás? Nas Escrituras aparecem diversas menções a seres espirituais criados por Deus, sendo que alguns deles obedecem ao Criador e outros não. Ao que tudo indica, os seres espirituais malignos, em algum um momento anterior à desobediência de Adão e Eva, rebelaram-se contra o governo do Criador.
Em Gênesis 3, portanto, é necessário interpretar se no Éden foi 1) uma cobra quem tentou os homens, ou 2) Satanás entrou dentro de uma serpente e falou com os homens ou 3) se o próprio Satanás conversou diretamente com Adão e Eva, sendo apenas chamado de serpente. Independente de tais interpretações, a própria Bíblia identifica essa serpente como sendo Satanás no livro de Apocalipse: “O grande dragão foi lançado fora. Ele é a antiga serpente chamada diabo ou Satanás, que engana o mundo todo (...)” (Ap 12:9). Deste modo, uma vez que não é dito que foi UMA serpente, mas A serpente e, além disso, a própria Bíblia afirma que a serpente do Éden é o próprio Satanás, este artigo considerará que o termo serpente em Gn 3 se refere ao anjo que se rebelou contra Deus antes da desobediência dos homens e não ao animal serpente.
Deixando então para trás esse debate, interessa entender aqui a noção de que Satanás apresentou a possibilidade aos homens de não permanecerem em submissão ao Criador, tentando-os com a ideia de que poderiam se tornar como o próprio Deus (Gn 3:5). Acima de tudo, o Diabo insinuou que o Criador enganou os homens, escondendo deles a possibilidade de eles próprios decidirem sobre o que é o bem e o mal, assim como de experimentarem as duas realidades. Diante desta tentação, o primeiro casal decidiu por não obedecer a Deus e crer na mentira oferecida pela serpente.
Após a queda de Adão e Eva, como já citado, os homens passaram a se envergonhar e terem medo do próprio Deus, tendo o relacionamento deles com Deus se corrompido em função do pecado cometido. Como consequência, o Criador aparece no relato e informa aos homens e à serpente as consequências da desobediência, que afetariam toda a criação divina desde então (Gênesis 3:15-19):
O corpo dos seres humanos começaria a morrer, retornando ao pó, de onde foi tirado:
- Pode-se incluir aqui as doenças, a dor, o cansaço e, obviamente, a morte;
Toda a terra foi amaldiçoada (perdeu sua perfeição), experimentando pragas, descontroles ambientais, morte etc;
O trabalho passaria a ser também pesado e difícil, perdendo sua característica original;
A mulher passaria a sentir dores no parto e a ter um relacionamento prejudicado para com o homem, sendo subjugada por este;
Foi dito à serpente que ela seria vencida por um descendente humano (que pisaria a sua cabeça), mas que ela o feriria também (morderia o seu calcanhar).
Em outras palavras, os três primeiros relatos da Bíblia afirmam que existiram dois momentos para o universo criado por Deus: antes e depois da desobediência de Adão e Eva. Inicialmente é possível perceber uma situação de relacionamento perfeito entre Deus e os homens e entre estes e a criação em geral. A seguir, após os pais da humanidade escolherem ouvir Satanás e desobedecer a Deus, temos a quebra da comunhão adequada entre Deus e os homens (morte espiritual), relacionamentos humanos maus (mulher subjugada ao homem, por exemplo) assim como a deterioração da natureza, incluindo a morte, as ervas daninhas, doenças, dores etc. Todo o relato bíblico a partir deste episódio mostra como a humanidade que surgiu a partir do primeiro casal sempre trouxe consigo a natureza que seus pais assumiram ao terem seu relacionamento com Deus rompido: assassinatos, mentiras, idolatrias, desvios sexuais e diversas outras coisas que não correspondem à natureza original do homem: a imagem e semelhança de Deus no homem foi deturpada pelo pecado original no Éden, que passou a todos os que foram gerados do primeiro casal: a matriz foi corrompida, logo tudo o que sai dela herda sua corrupção.
Em suma, pode-se entender que Deus criou tudo bom mas, ao mesmo tempo, permitiu aos homens a escolha de não se relacionarem com o Criador e usufruirem das bênçãos que Ele preparou através da vida eterna oferecida na Árvore da Vida. Embora a desobediência tenha sido induzida por Satanás, isso não tira a responsabilidade de Adão e Eva por terem voluntariamente escolhido rejeitar o governo divino. Muitos entendem que a Bíblia ensina que os descendentes do primeiro casal (toda a humanidade) tenham que pagar pelo pecado cometido no Éden, mas essa interpretação é equivocada. As Escrituras mostram que os outros seres humanos sofreram as consequências, mas não a culpa pelo pecado de Adão e Eva. Foram as consequências da queda – a falta de comunhão com Deus, a morte e a tendência de se opor à natureza divina (amor, perdão, pureza etc) – que passaram a ser transmitidos de geração em geração, cabendo a cada ser humano a responsabilidade por seus atos, especialmente a responsabilidade de se voltar ou não para se relacionar com Deus.
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