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Reflexões sobre o sofrimento



Podemos ter vida abundante nesse mundo, onde há sofrimento e morte?

Esta não é, certamente, uma daquelas perguntas fáceis de serem respondidas. Há vários dilemas aqui envolvidos, tanto filosóficos e morais quanto teológicos, que exigiriam uma reflexão bem mais ampla e detida, a qual foge aos limites deste pequeno artigo. No entanto, no Evangelho de João encontramos algumas indicações sobre como as Escrituras Bíblicas enfrentam esse problema.

Os capítulos 11 e 12 do Evangelho de João marcam uma transição importante no livro: de João 1.19 a 10.42, temos a narrativa do ministério público de Jesus, com seus discursos e sinais miraculosos (todo esse texto começa e termina com referências a João Batista, “a voz que clama do deserto” referida em João 1.23 e Isaías 40.3, indicando que Jesus é aquele sobre quem as profecias messiânicas do Antigo Testamento falavam); a partir do capítulo 13, temos os eventos finais da vida terrena de Jesus, as angústias (a “Semana da Paixão”), bem como sua morte e resssurreição.

Notamos algo interessante nesses dois capítulos. Eles descrevem tanto o Jesus que dá vida, ao ressuscitar Lázaro (João 11.38-44), quanto o Jesus que viria a morrer, ao narrar a conspiração que se formava para matá-lo (João 11.45-57) bem como a revelação que Jesus mesmo fez sobre a chegada de sua hora, a proximidade da crucificação (João 12.20-36). Essas passagens bíblicas nos mostram algo quase que paradoxal: o Jesus que ressuscita é o mesmo Jesus que viria a ser morto. Noutro Evangelho vemos que isso foi motivo para que pessoas zombassem de Jesus, quando do momento de sua crucificação: “O povo ficou observando, e as autoridades o ridicularizavam. ‘Salvou os outros’, diziam; ‘salve-se a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Escolhido’” (Lucas 23.35).

Aquela descrição de Jesus, contudo, não é algo inesperado ou contraditório. Se olharmos para as profecias registradas no Antigo Testamento, já havia sido revelado que o Messias seria o “Servo Sofredor” e o “Grande Rei” (veja, por exemplo, Isaías 52.13-15, Jeremias 23.1-6). No Evangelho de João, Jesus é descrito como o cordeiro que seria morto (João 1.29) assim como a Palavra encarnada, a Vida e a Luz, o próprio Deus conosco (João 1.1-18). No capítulo 12, Jesus é comparado ao “grão de trigo que precisa morrer” para produzir fruto (João 12.24) e também é aquele cujas palavras produzem “vida eterna” (João 12.50). Enfim, Jesus é, ao mesmo tempo, o Cordeiro e o Leão, o Servo e o Rei, homem e Deus.

Essa dualidade existente na natureza e na atuação de Jesus nos revela algo sobre nossa atual condição. Vivemos também uma dualidade: ao cremos em Cristo, recebemos a vida eterna, a salvação, tornamo-nos filhos de Deus; no entanto, há aspectos desse benefício que se concretizam no presente, havendo outros aspectos que se concretizarão apenas no futuro.

Neste mundo, vivenciamos experiências maravilhosas. Seja ao contemplarmos a beleza e a complexidade da criação, ao ouvirmos sobre a intervenção miraculosa de Deus no mundo (a exemplo da ressurreição de Lázaro) e ao experimentarmos o relacionamento com Deus e a sua ação em nossa vida individual, temos contato com aquilo que é sobrehumano, sobrenatural, extraordinário. Ao mesmo tempo, porém, toda a criação permanece ainda marcada pelo pecado humano, a “Queda” descrita no capítulo 3 do livro de Gênesis, e a própria natureza humana foi corrompida. Tanto a natureza quanto a sociedade foram afetadas pelo pecado, e isso causa sofrimento e morte.

Neste mundo, onde nos encontramos com Deus e somos alvos de sua graça e amor, também estamos sujeitos a dificuldades e problemas, sejam eles advindos da própria natureza, da corrupção de nossa sociedade, da ação de outras pessoas ou das nossas próprias ações. Se em tudo isso há uma atuação do Maligno, o diabo (veja, por exemplo, João 13.2), há também a consequência da vontade e da ação do ser humano.

Ter vida abundante não depende de questões circunstanciais. Deus não nos promete livramento de todas as dificuldades, pois “Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5.25). Antes, Ele nos promete que teremos paz em meio às tribulações:

“Eu lhes disse essas coisas

para que em mim vocês tenham paz.

Neste mundo vocês terão aflições;

contudo, tenham ânimo!

Eu venci o mundo”. [João 16.33]

Jesus não nos retira das tribulações e das dificuldades desse mundo. Ele nos livra da condenação do pecado e do domínio do Maligno. Pouco tempo antes de sua morte, Jesus clama ao Pai:

“Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, pois eles não são do mundo, como eu também não sou. Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno. Eles não são do mundo, como eu também não sou (...) Pai justo, embora o mundo não te conheça, eu te conheço, e estes sabem que me enviaste. Eu os fiz conhecer o teu nome, e continuarei a fazê-lo, a fim de que o amor que tens por mim esteja neles, e eu neles esteja”. [João 17.14-16,25-26]

Embora enfrentemos tribulações neste mundo, isso não significa que estamos distantes de Deus, que Deus nos abandonou ou que estamos dominados pelo Maligno. Deus nos dá livramento em determinadas circunstâncias de acordo com sua vontade e propósito, mas, independemente das circunstâncias, podemos encontrar paz e consolo em Jesus. Ao cremos nele, em suas palavras e promessas, e andarmos de acordo com seu ensino, encontramos felicidade.

“Não ficarei mais no mundo, mas eles ainda estão no mundo, e eu vou para ti (...) Agora vou para ti, mas digo estas coisas enquanto ainda estou no mundo, para que eles tenham a plenitude da minha alegria”. [João 17.11,13]

Há um caso, no Antigo Testamento, de pessoas que depositaram em Deus sua confiança, encontrando segurança e paz mesmo diante de uma circunstância terrível: seriam lançados numa fornalha em razão de sua fé, pois não se prostraram diante dos deuses babilônicos, como exigira o Rei Nabucodonosor. Diante das ameaças (que mais tarde se concretizariam), declararam:

“Ó Nabucodonosor, não precisamos defender-nos diante de ti. Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer". [Daniel 3.16-18]

Semelhante declaração no livro do profeta Habacuque:

“Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação”. [Habacuque 3.17-18]

Nossa confiança em Deus, que traz segurança e conforto à alma, não pode estar baseada nas circunstâncias e nas situações que enfrentamos neste mundo. Nossa existência não se limita ao "aqui e agora". Somente tendo a eternidade em perspectiva e estando certos da graça, da misercórdia e da soberania de Deus, é que encontramos a verdadeira paz.


"Disse-lhe Jesus: 'Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente. Você crê nisso?'"

[João 11.25-26]


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